sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

ENOLI LARA A GENITÁLIA DESNUDA DO CARNAVAL

                                           foto-Marcelo Régua -O Globo 5/02/89

"                                           "FESTA PROFANA a GENITÁLIA DESNUDA"

               "Os que jurassem a "Trégua de Deus", tinham o perdão de seus pecados".
                A quebra do juramento  acarretava grave consequência, a excomunhão. 
                O Olimpo estava em festa, em desvairada alegria, houve, então um consenso, trégua de Deus, enquanto  frenéticos  e  inebriados  mortais, entoariam :"Liberdade! Liberdade!  Abre as asas sobre nós! 
                Era a catarse, a expurgação, o prelúdio da expiação. 
                As deusas digladiavam por privilégios, mas Afrodite , nascida para o amor, seduziu o deus Baco e  tramou  em tessitura erótica, o enredo "Festa Profana."
              Vigoroso e devasso, deus  Dionísio, reencarnou no rei de Roma , sedutor seduzido por Afrodite que  plasmada em desejo e luxúria, incorporara  ao meu indomável ser. 
               No templo sacro-profano proibiram o deus cristão, contudo a deusa pagã, se exibiria em explícita fantasia bacante. 
               Cumplicidade na arte e no prazer , a humanidade  salivou e copulou escopofilicamente, amor e sexo foram vivenciados em miríades  de manifestações de euforia libidinosa. 
              " Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher,  moça a qual  estava sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Todavia ...não se lembrava de o estender muito para se cobrir. 
               "Assim Senhor , a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria mais com respeito ao pudor."
                Desci do Olimpo para o altar da Catedral do Samba. Na procissão bacante , na Festa Profana, Afrodite veio vestida pela divina luz do luar , fantasiada de amor, orgasmando em êxtases, físico, mental e espiritual. Provocara o interdito, no espaço bendito, em tempo inaudito. 
                "O rei mandou cair dentro da folia, e lá vou eu (e lá vou eu) o sol que brilha nessa noite vem da Ilha , lindo sonho que é só meu!"
                 Imantados pela energia da deusa Afrodite, seriam todos iniciados no erotismo, feitos discípulos do gozo solene, sacerdotes e sacerdotisas do prazer  divino e eterno 
                 Eu, como uma mênade, gozara a multiplicidade  de toques, de formas, de êxtases.
                 Convidada pelo carnavalesco Ney Ayan , para encarnar   Afrodite na Avenida, fiquei a vontade para criar a minha fantasia. Passara o domingo do desfile, fazendo amor , com o "Rei de Roma". 
                Na Avenida me senti como um  totem espargindo energia sexual, vibrações e emanações amorosas na orgia sacro-profana. 
                 O carro alegórico reproduzia um templo, e eu , no alto, trazia nos braços uma capa  de musseline transparente , que em movimentos dançantes, num abrir e fechar de braços, exibia por segundos, a nudez total. 
                  Todos enlouqueciam à minha passagem, amigos, repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, seguranças, movimentavam-se desordenadamente , mas os olhares hipnotizados  se mantinham fixados, no meu centro gozoso.
                Mulheres de idades diversas, umas com ar tímido, outras com com malícia, olhavam e intimavam  com toques seus parceiros , a flagrar a olhos nus ou com binóculos  a minha explícita e exibida zona sexual.
                 Os desfilantes próximos, explodiam em pura lascívia. 
                 Na transmissão de TVs , os apresentadores, faziam pausas suspeitas e a voz vinha alterada.Mesmo assim as câmeras frisavam a imagem e faziam efeitos. 
                A União da Ilha  , conquistou o terceiro lugar, desfilando no sábado das campeãs. O carro sumiu após o desfile e até hoje não se teve notícia. 
                Desfilei no carro da deus Ísis,  e exibi novamente a nudez explícita, total, a genitália desnuda do carnaval. A  "Festa Profana" transformou-se num momento único  de exibicionismo , em que qualquer mulher que se permitisse experimentá-lo , usufruiria  de uma endeusação, transcendental. 
                 No enredo "Aquarilha do Brasil " eu vim   como Rainha do Flamengo e notabilizei-me por me desfilar , como uma tela, nua, representando uma fogueira rubro-negra, crepitando no órgão sexual e lambendo o corpo todo. Foi o primeiro nu frontal do carnaval, em 1988, na União da Ilha.  
                 A consagração  arrebatadora eclodiu com a deusa do amor, Afrodite,  na Festa Profana , em 1989, na eterna alumbrada União da Ilha,  para entrar para a história!
                Exibi a genitália pintada e desnuda, fui um divisor de águas, no carnaval, assim como Moisés no Mar Vermelho, abrindo passagem para  a liberdade e a ousadia, passarem em triunfo.
                 Eu fui o interdito, a bandeira libertária, o despudor que gerou pudor.Eu virei um mito, uma lenda, uma legenda, um eterno símbolo sexual. 
                 Detenho o DNA, o pátrio poder da genitália desnuda. Sou peça única, irreproduzível. 
                 Hoje nominada e batizada pelo mestre e predador intelectual, cúmplice do futebol e do carnaval Fábio Fabato, como "Patente da Genitália Desnuda, História da Avenida. 
                "Meu passado não me condena e minha nudez não foi castigada." 
                 Sou dessa família de mulheres que inventam outro mundo , que não se amansam. 
                  Sou a índia das vergonhas cerradas, como a que Caminha narrou, e também a Leila Diniz, Elvira Pagã. Sou a continuidade da  saga de Luz Del Fuego, todas Rainhas do Carnaval. 
                  Sou fascinada por Malher , que acrescentou a  percussão e a voz humana à orquestra, o toque do plexo solar, assim como a cadência do samba, o som do desejo e do divinal prazer. 
                Felizmente , não houve, excomunhão , mas a legislação foi promulgada , para conter os ímpetos desbravadores e desnudos dos artífices e dos párticipes, de libertárias festas  vindouras. 
                Assim fui coroada em tríplice  aliança, estreei na União da Ilha, marquei presença na irreverente  e desinibida São Clemente, a prima sapeca  "Garota Zona Sul" e desfilei na polêmica Caprichosos de Pilares , famosa por exibir sátiras divertidas.
                Como toda a família que se preza, tem sempre uma "prima gostosa" e exuberante, houve por bem, aflorarem três delas, no clã Carnelevamen, como sempre, disseminando alegria, provocação, irreverência e tesão. 
                Em linguagem de instintiva ousadia, libertas  de todo o pudor, desnudos os seios, desfraldando bandeiras revolucionárias, em críticas fantasiadas de bom humor. 
                 São as ovelhas negras das famílias, a transgressão prazerosa é sair com elas, fazer amor, e desfilar na avenida, exibindo o estandarte entusiasta da provocação, da libertação, da excitação. 
                  Para a cultura do Éden Tupiniquim, as primas sapecas do carnaval , esbanjam brejeirice , dengo, malícia,  sedução e encantamento. 
                  O Carnaval é imperioso, é híbrido, é a celebração em transe,  a exibição esplendorosa dos sentidos, é a revivificação de vidas vividas  e incorporação de existências imaginárias. O carnaval é o cerimonial de gozosos pensadores, refinados porta-vozes da cultura e da arte, os cúmplices e amantes do rito, da festa, da história, do fato, do movimento revolucionário, da glória.
                 É mantra imperioso, evocar e invocar a trindade, a tríade, a trilogia , no meu caso, futebol, samba e carnaval (rimando com sexo), os três êxtases, as três primas sapecas do carnaval,  as três cores da minha idolatrada e amada União da Ilha, o vermelho da paixão, o azul do infinito prazer  e o branco, da paz, da trégua de Deus!"  Enoli Lara 

Enoli Lara- escritora, escultora e atriz. Lançou a autobiografia "Trilogia do Prazer a sacerdotisa do sexo . Narra a  sua saga carnavalesca, da Apoteose para o mundo , a sua  história  na macro arte,  pintada, emoldurada e frisada no reino da fantasia bacântica,(.Nova Razão Cultural-2011)

Enoli Lara assina o posfácio do livro AS Primas Sapecas do Samba. Fábio Fabato- NovaTerra Editora-2015

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